sábado, 22 de dezembro de 2012

Capítulo XXIV

às 13:50 0 comentários



Você é boa demais para ser verdade
Não consigo tirar meus olhos de você
Você é como tocar o céu
Quero tanto te abraçar
Enfim, o amor verdadeiro chegou
E agradeço a Deus por estar vivo
Você é boa demais para ser verdade
Não consigo tirar meus olhos de você
(Can’t take my eyes of you – Muse)


» ARIMA POV.¤ «

Você já conheceu as cidades medievais da França na época dos povos Celtas, Galo-romanos e visigodos? Claro que não, até porque isso não é possível. O passado é história, somente isso. Apenas o conhecemos através dos livros, filmes e de histórias. E eu me lembro muito bem de uma amiga da minha mãe, casada com um saudita, porém não criado em nossas doutrinas, descrevendo uma dessas cidades, em uma das nossas reuniões na Arábia Saudita.

"Foi o dia mais importante da minha vida, eu tenho certeza. É simplesmente incrível ver como toda aquela cidade medieval está preservada. Podemos imaginar perfeitamente toda a história por trás daquelas fortalezas. A paisagem é incrível, o castelo, tudo é de tirar o fôlego. Porém, naquele dia eu percebi uma coisa..."

"O que, Zainab?" – perguntou Salam, curiosa a respeito da amiga.

"Eu, de mãos dadas com meu marido, parei em frente a toda aquela majestade e olhei para cima. Aquele céu azul profundo, como eu nunca havia visto antes em minha vida. Sentir aquela brisa, aquele aroma dos rosais de ali de perto, todo esse conjunto, tudo estava fisicamente em perfeita harmonia.” – ela hesitou por um momento. Nós todas podíamos notar que era uma memória muito importante para ela – “Mas eu tenho certeza que só consegui ver a verdadeira beleza do lugar, porque eu estava apaixonada pelo meu marido."

"Ah, que isso Zainab!" – disse Narim, rindo da declaração.

“Não me lembro de você ser assim antes de conhecer esse homem, Zainab. – disse minha mãe, contendo o riso. - E olha meninas, fiquem atentas! Esse negócio de casar com um homem que não foi criado na nossa religião, no nosso país, isso é pecado. Não se deixem levar. Deus livre minha família disso.” – minha mãe alertou. Pude sentir um pouco de inveja em sua voz. Sei que mamãe ama meu pai, mas às vezes penso que ela imagina como seria se tivesse feito como a Zainab.

“Mas o caso da Zainb é um pouco diferente, Hania. Ele é saudita, conhece nossa religião, só não foi criado e educado por aqui.” – Amani tentou explicar.

"Falemos sério, meninas! Vocês sabem que o Mohamed não é assim. O ponto que quero chegar não é esse. De verdade, naquele momento eu pensei que se estivesse ali, no mesmo lugar, porém sozinha, a situação seria muito diferente. Talvez eu não conseguisse ver como realmente deveria.” – explicou Zainab, calmamente. – “Acho que o amor nos faz enxergar as coisas de outra forma. Os olhos do coração, eles vêem muito mais do que a beleza externa. Eles vêem, eles sentem, tudo ao mesmo tempo."

"Como você é profunda, hein Zainab!" - disse uma das amigas de minha mãe rindo, seguida das outras. Ninguém parecia estar realmente tentando entender. E em partes, não as culpo. Acho que vivemos com um tipo de venda nos olhos, desde pequenas. É um tanto surreal demais amar e ser amada por um homem, como a Zainab descreveu, sendo que aqui eles nem olham para nós. É como se não existíssemos.


Admito que na hora eu também ri. Afinal, desde quando coração tem olhos e sente as coisas? Impossível até então.


Eu realmente não me reconheço mais. Antes, a idéia de ter o noivo já escolhido pelos meus pais, toda essa falta de liberdade, me fez morrer para certas coisas. Eu estava apenas existindo, cumprindo a minha sina, sendo o que meus pais gostariam que eu fosse, casando com quem eles escolhessem, tendo minha família, criando meus filhos e fim.
Aceito a minha religião. Aceito os mandamentos de Allãh, mas antes eu não conseguia enxergar a minha própria vida. Na verdade, acho que tinha medo de olhar para mim mesma e ver quão escuro era. Uma pessoa reprimida inconscientemente.

Agora, sentada aqui debaixo dessa arvore, nessa grama verdinha, de mãos dadas com o Tom, creio que finalmente consegui entender as palavras da Zainab: O amor nos faz enxergar com outros olhos. A presença dele, do verdadeiro amor, faz isso conosco. Não estou vendo o Tom agora, pois estamos de costas, mas eu sei que ele está aqui, mesmo não o vendo de frente. Eu sinto o seu toque em minha mão, sinto a sua presença, e até me atrevo a dizer que sinto o seu coração. Porque sei que estamos em sintonia nesse momento.

Dei um longo suspiro ao concluir isso.

- Em que está pensando, Arima? - perguntou Tom. Por mais sintonizados que nos encontremos, ainda não conseguimos ler pensamentos.

- No céu. - Respondi mansamente, enchendo novamente meus pulmões com ar.

- Quer me falar sobre isso? - ele perguntou curioso, virando-se para mim.

Nossos olhares se encontraram, e foi quando consegui ver perfeitamente minha imagem refletida em seus olhos. Abaixei a cabeça e soltei um risinho, me lembrando de outra passagem curiosa da minha vida.

- Talvez. - respondi, abaixando a cabeça e levando uma mão até uma mecha do meu cabelo que estava solta, colocando-o atrás da orelha.

Tom me olhou de uma forma carinhosa. Impulsionou seu corpo para frente e foi se deitando, até encontrar meu colo. Ficou ali deitado, encontrando algum aconchego. Senti o vento ficar mais forte.

- Bem, estou pronto para ouvir sobre o céu. - disse ele, olhando para cima. - Você deve saber muito sobre ele, não? Afinal, você veio de lá. - ele completou a frase em tom de brincadeira, me fazendo corar.
Fitei um pouco sua expressão serena e novamente encontrei seu olhar. Mais uma vez, minha imagem se refletia, como num espelho.

- Sabe, a pouco me lembrei de algo que minha irmã me contou uma vez. - comecei, enquanto mexia em seu cabelo trançado. Ele fechou os olhos e respirou fundo. - Ela sempre foi rebelde. Nunca aceitou a idéia de já 'nascer' com um pretendente escolhido pelos pais. Assia era a favor da idéia ocidental, a de escolher um ao seu gosto.

- Interessante. - Tom esticou os braços, deitando-os na grama.

- Certa vez ela chegou em casa “levitando”. Disse aos meus pais que estava com minha prima, mas na verdade estava na presença de um rapaz. Uma espécie de namorado.
Ela chegou toda feliz e me puxou para sentar no chão, junto com ela. Começou a contar algo muito curioso: "Arima, quer saber de uma coisa que me contaram hoje? Disseram que se queres saber se alguém realmente te ama, basta olhar bem nos olhos dele! Se você conseguir enxergar a sua imagem nos olhos dessa pessoa, isso quer dizer que ela realmente te ama e te quer bem. Mas caso contrário, fique atenta.”

"De onde você tira essas coisas, minha irmã?" – perguntei.

"Ah, é uma história bem antiga. A mãe de uma amiga estava compartilhando esse conhecimento conosco. Ela também disse que dentro de cada um de nós, há como se houvesse um rio, por isso nossa imagem é refletida quando olhamos nos olhos de quem amamos. São os sentimentos bons da pessoa que refletem a nossa imagem. O que ela tem de melhor. Quando você não se vê, que dizer que ela não tem amor por você, ou ao semelhante. Esta presa demais ao amor próprio.”

"Não acredito nisso. Parece bobagem... É bobagem." - afirmei, de forma ignorante.

"Você que pensa.” - minha irmã se levantou do chão e foi andando até a saída do meu quarto, mas não antes de completar seu raciocínio – “Chegará o dia em que você vai encontrar alguém e verá sua imagem refletida. Quando isso acontecer, você terá certeza que é amada de verdade. Ai sim, você conhecerá o amor na sua forma mais pura."

- Eu ri, debochando. Mas é porque era muito estranho ouvir minha irmã, desmiolada como é, falar esse tipo de coisa. – expliquei.

- Nossa! – Tom havia aberto os olhos, mas logo os fechou. Os raios de sol não tiveram piedade de seus olhos - Vocês orientais tem umas histórias que nos deixa sem palavras! É muito sentimentalismo, pelo menos pra mim, mas não deixa de ser muito bonito. – disse, esboçando um sorriso torto.

- Falando desse jeito, você me lembra alguém. – eu mesma - Não acredita na história? – perguntei, inclinando a cabeça um pouco para a direita, intrigada.

- Nem um pouco. – respondeu sorrindo, colocando seus óculos de sol.

- Hey! - rebati, não acreditando no que havia escutado. Estranha essa reação dele. No meu caso, eu nunca me permiti e nem fui permitida de me apaixonar por alguém da minha escolha, por isso não acreditei na história que minha irmã contou. Não pensei que esse tipo de coisa fosse possível. Porém, Tom é um ocidental. Ele foi criado de outra forma, em outros costumes. Pensei que, bem, ele pudesse ter visto ou vivido esse amor em algum momento no passado.

O quão diferente nós somos? Parando pra pensar, no fundo nós somos muito parecidos. Isso me faz lembrar que, não sei praticamente nada sobre ele. É muito mais fácil ele, baseando-se na minha religião, descobrir toda a minha vida, minha rotina, do que eu, que não tenho ao menos uma referência.

- É uma história muito bonita, mesmo! – disse, gesticulando levemente com as mãos - Mas, nunca fui lá muito ligado a sentimentos. - disse, no que sua expressão ficou um pouco mais sombria - Nunca me relacionei sério com ninguém. O amor... Nunca esteve ao meu favor, eu acho. - completou, e percebi que nem ele entendia direito o que se sucedia consigo mesmo. - Acho que algumas pessoas não nasceram para o amor. É um sentimento nobre demais, caro, inacessível.

O silêncio ficou mais alto do que no principio. Senti certa dor em suas palavras. Era como se houvesse algo em seu passado, que não o fazia se interessar muito por ele, mas também não fazia questão de enterrá-lo de vez. Seja o que for, faz parte da vida dele, do que ele é.
Por mais problemas que eu pudesse ter enfrentado, por mais reprimida que eu possa ter sido talvez nada se compare ao que ele passou. Às vezes algumas pessoas recebem tanta liberdade, que perdem o senso de certo e errado, pois ninguém as corrige como devia. Dado em grande quantidade, acaba fazendo mal à elas. São tantas as opções que a pessoa tem que ela acaba não sabendo como fazer as escolhas.

Em meio a aquela barreira aparente, fiz uma escolha e a coloquei em prática.

- Tom, olhe pra mim. - eu disse, tentando fazê-lo voltar a si mesmo. Ele hesitou um pouco, mas depois de alguns minutos finalmente conseguiu. - Me diga, o que você vê?

É engraçado o que aconteceu nesse momento. Vi que ele queria rir e fazer alguma brincadeira pra descontrair a tensão, mas quando me olhou bem nos olhos, ficou sem reação.

- Eu vejo... – hesitou por breve instante - Você. - disse, realmente espantado com sua conclusão.

- Não importa a fantasia da história, mas sim a verdade por detrás dela. Você é uma boa pessoa e, surpreenda-se ou não, tem amor ai dentro. Por isso, não se massacre mais como veio fazendo até o dia de hoje. Não deixe essa dor, essa vergonha que seus atos do passado possam ter ocasionado, deixarem você pra baixo. Você está aqui, e mais vivo do que nunca. Tão merecedor do amor, como qualquer outra pessoa.
E ele não é inacessível. Ele está lá, para todos nós. O ponto é que muitos de nós nos perdemos tentando chegar ao verdadeiro amor, e outros são tão iludidos por paixões. As pessoas sofrem não porque amam demais, mas sim porque amam errado.

Tom se levantou do meu colo e ficou me observando por um tempo. Fitou-me incrédulo e um pouco confuso. Era como se tivesse levando um choque e estivesse eletrificado.

- Você fala de amor como se fosse o próprio. Tão simples assim pra você, uma pessoa que viveu todo esse tempo isenta dessa emoção, falar do amor dessa forma, como se fosse intima.

Nem eu sabia ao certo como havia chegado nesse raciocínio. O que ele disse é verdade. Eu não teria condições de falar ‘tão bem’ de algo que desconheço. Mas acho que, a história se reafirma aqui: O coração enxerga, pensa, sente, de uma forma diferente de nós.

- Eu aprendi isso com alguém. – respondi sem graça, esboçando um sorriso sincero. Havia deixado a resposta nas entrelinhas.

Tom segurou meu rosto carinhosamente e me olhou fixamente nos olhos. Expressou um olhar tão alegre, de quem parecia estar incrivelmente feliz e sorrindo, que automaticamente me induziu a retribuir o gesto da mesma forma. Ele estava completamente perdido. Parecia não saber como agir normalmente.

- Eu posso te dar um abraço? – perguntou educadamente, no que eu assenti com a cabeça.
Ele me abraçou forte, e pude sentir seu coração batendo em disparada. Senti o vento, já mais calmo, acariciar meu rosto com ternura. As folhas balançavam, como se estivessem dançando, e o sol insistia em continuar nos observando.
Tom foi me soltando letamente, ficando de frente para mim.

- Quando eu disse que você tinha vindo do céu, eu não estava brincando. – afirmou, trazendo novamente aquele sorriso - Você veio do céu, disfarçada em vestes negras, mas não conseguiu ofuscar sua luz.

O ar me faltou por uma fração de segundos e senti meu estomago super sensível. Engoli com dificuldade. Se eu estivesse em pé, com certeza sentiria minhas pernas bambearem. Como as sensações eram minhas, ele não pareceu perceber, porém certamente minha expressão lhe deu uma idéia de como eu estava me sentindo. Apesar disso, ele prosseguiu.

- E você pensou que por um segundo eu não iria perceber o seu disfarce? - Suas palavras, uma por uma, iam arrancando lágrimas de mim, assim como o tempo arranca dias da minha existência. - Eu sempre estive perdido em algum lugar, no meio dessa minha bagunça. Vivia aos tropeços e não podia cair. Se eu fraquejasse, seria comido vivo. Sempre tentei achar uma vida equilibrada, mas era difícil. – desabafou - E agora eu finalmente cai. Depois de todos esses anos, eu cai de joelhos, Amira. E quer saber a verdade? Não sinto medo, pois estou caído de joelhos, em frente a um anjo.

 Antes que eu pudesse pensar em responder, seu rosto foi se aproximando lentamente do meu, o que afastou todas as possíveis reações que eu poderia ter naquele momento. Com o vento soprando, Tom direcionou-se ao meu ouvido, demonstrando não confiar no silêncio daquele instante, como se este jamais fosse capaz de guardar seu segredo tão precioso. “Mein engel, du bist der beste Teil von mir.” – sussurrou, o que me fez rir com ternura. Não fazia idéia do que ele havia dito, porém a forma como ele pronunciou cada palavra fez meu coração se aquecer.  
Pegou minhas mãos e as beijou, uma de cada vez. Encantada com tal gesto, levantei meu rosto procurando o dele, porém minha visão falhou devido as lágrimas. Foi então que ele as afastou para longe, e aproximou nossos rostos para que eu pudesse vê-lo melhor.
Assim como dois ímas se atraem quando próximos, nossos lábios se encontraram mais uma vez.

Eu vivia atrás de muralhas e nada sabia da vida e do amor. Ainda sei pouco sobre ambos, porém uma coisa eu aprendi com o amor. Ele definitivamente não é algo que aprendemos através de livros, como se tivéssemos que estudá-lo. A única maneira de conhecê-lo é sentindo-o.
Tom fala como se eu fosse sua salvadora, como se tivesse sido enviada para salvá-lo, porém se tem alguém aqui para exercer o papel de salvador, será que sou mesmo eu?

Leia também no:

 

Guilty Love | Copyright © 2012 Design by Antonia Sundrani