Você é
boa demais para ser verdade
Não
consigo tirar meus olhos de você
Você é
como tocar o céu
Quero
tanto te abraçar
Enfim,
o amor verdadeiro chegou
E
agradeço a Deus por estar vivo
Você é
boa demais para ser verdade
Não consigo
tirar meus olhos de você
(Can’t take my eyes of you – Muse)
» ARIMA
POV.¤ «
Você já conheceu as cidades medievais da
França na época dos povos Celtas, Galo-romanos e visigodos? Claro que não, até
porque isso não é possível. O passado é história, somente isso. Apenas o
conhecemos através dos livros, filmes e de histórias. E eu me lembro muito bem
de uma amiga da minha mãe, casada com um saudita, porém não criado em nossas
doutrinas, descrevendo uma dessas cidades, em uma das nossas reuniões na Arábia
Saudita.
"Foi
o dia mais importante da minha vida, eu tenho certeza. É simplesmente incrível ver
como toda aquela cidade medieval está preservada. Podemos imaginar
perfeitamente toda a história por trás daquelas fortalezas. A paisagem é
incrível, o castelo, tudo é de tirar o fôlego. Porém, naquele dia eu percebi
uma coisa..."
"O
que, Zainab?" – perguntou
Salam, curiosa a respeito da amiga.
"Eu,
de mãos dadas com meu marido, parei em frente a toda aquela majestade e olhei
para cima. Aquele céu azul profundo, como eu nunca havia visto antes em minha
vida. Sentir aquela brisa, aquele aroma dos rosais de ali de perto, todo esse
conjunto, tudo estava fisicamente em
perfeita harmonia.” –
ela hesitou por um momento. Nós todas podíamos notar que era uma memória muito
importante para ela – “Mas eu tenho
certeza que só consegui ver a verdadeira beleza do lugar, porque eu estava
apaixonada pelo meu marido."
"Ah, que isso Zainab!" – disse
Narim, rindo da declaração.
“Não me
lembro de você ser assim antes de conhecer esse homem, Zainab. – disse minha mãe,
contendo o riso. - E olha meninas, fiquem atentas! Esse negócio de casar com um
homem que não foi criado na nossa religião, no nosso país, isso é pecado. Não
se deixem levar. Deus livre minha família disso.” – minha mãe alertou. Pude
sentir um pouco de inveja em sua voz. Sei que mamãe ama meu pai, mas às vezes
penso que ela imagina como seria se tivesse feito como a Zainab.
“Mas o
caso da Zainb é um pouco diferente, Hania. Ele é saudita, conhece nossa
religião, só não foi criado e educado por aqui.” – Amani tentou
explicar.
"Falemos
sério, meninas! Vocês sabem que o Mohamed não é assim. O ponto que quero chegar
não é esse. De verdade, naquele momento eu pensei que se estivesse ali, no
mesmo lugar, porém sozinha, a situação seria muito diferente. Talvez eu não conseguisse
ver como realmente deveria.” – explicou Zainab, calmamente. – “Acho que o amor nos faz enxergar as coisas
de outra forma. Os olhos do coração, eles vêem muito mais do que a beleza
externa. Eles vêem, eles sentem, tudo ao mesmo tempo."
"Como
você é profunda, hein Zainab!" - disse uma das amigas de minha mãe rindo,
seguida das outras. Ninguém parecia estar realmente tentando entender. E em
partes, não as culpo. Acho que vivemos com um tipo de venda nos olhos, desde
pequenas. É um tanto surreal demais amar e ser amada por um homem, como a Zainab
descreveu, sendo que aqui eles nem olham para nós. É como se não existíssemos.
Admito que na hora eu também ri. Afinal,
desde quando coração tem olhos e sente as coisas? Impossível até então.
Eu realmente não me reconheço mais. Antes, a idéia
de ter o noivo já escolhido pelos meus pais, toda essa falta de liberdade, me
fez morrer para certas coisas. Eu estava apenas existindo, cumprindo a minha sina,
sendo o que meus pais gostariam que eu fosse, casando com quem eles escolhessem,
tendo minha família, criando meus filhos e fim.
Aceito a minha religião. Aceito os
mandamentos de Allãh, mas antes eu não conseguia enxergar a minha própria vida.
Na verdade, acho que tinha medo de olhar para mim mesma e ver quão escuro era.
Uma pessoa reprimida inconscientemente.
Agora, sentada aqui debaixo dessa arvore,
nessa grama verdinha, de mãos dadas com o Tom, creio que finalmente consegui
entender as palavras da Zainab: O amor nos faz enxergar com outros olhos. A
presença dele, do verdadeiro amor, faz isso conosco. Não estou vendo o Tom
agora, pois estamos de costas, mas eu sei que ele está aqui, mesmo não o vendo
de frente. Eu sinto o seu toque em minha mão, sinto a sua presença, e até me
atrevo a dizer que sinto o seu coração. Porque sei que estamos em sintonia nesse
momento.
Dei um longo suspiro ao concluir isso.
- Em que está pensando, Arima? - perguntou
Tom. Por mais sintonizados que nos encontremos, ainda não conseguimos ler
pensamentos.
- No céu. - Respondi mansamente, enchendo
novamente meus pulmões com ar.
- Quer me falar sobre isso? - ele perguntou
curioso, virando-se para mim.
Nossos olhares se encontraram, e foi quando
consegui ver perfeitamente minha imagem refletida em seus olhos. Abaixei a
cabeça e soltei um risinho, me lembrando de outra passagem curiosa da minha
vida.
- Talvez. - respondi, abaixando a cabeça e
levando uma mão até uma mecha do meu cabelo que estava solta, colocando-o atrás
da orelha.
Tom me olhou de uma forma carinhosa.
Impulsionou seu corpo para frente e foi se deitando, até encontrar meu colo.
Ficou ali deitado, encontrando algum aconchego. Senti o vento ficar mais forte.
- Bem, estou pronto para ouvir sobre o céu. -
disse ele, olhando para cima. - Você deve saber muito sobre ele, não? Afinal, você
veio de lá. - ele completou a frase em tom de brincadeira, me fazendo corar.
Fitei um pouco sua expressão serena e
novamente encontrei seu olhar. Mais uma vez, minha imagem se refletia, como num
espelho.
- Sabe, a pouco me lembrei de algo que minha
irmã me contou uma vez. - comecei, enquanto mexia em seu cabelo trançado. Ele
fechou os olhos e respirou fundo. - Ela sempre foi rebelde. Nunca aceitou a idéia
de já 'nascer' com um pretendente escolhido pelos pais. Assia era a favor da idéia
ocidental, a de escolher um ao seu gosto.
- Interessante. - Tom esticou os braços,
deitando-os na grama.
- Certa vez ela chegou em casa “levitando”.
Disse aos meus pais que estava com minha prima, mas na verdade estava na
presença de um rapaz. Uma espécie de namorado.
Ela chegou toda feliz e me puxou para sentar
no chão, junto com ela. Começou a contar algo muito curioso: "Arima, quer saber de uma coisa que me
contaram hoje? Disseram que se queres saber se alguém realmente te ama, basta
olhar bem nos olhos dele! Se você conseguir enxergar a sua imagem nos olhos dessa
pessoa, isso quer dizer que ela realmente te ama e te quer bem. Mas caso
contrário, fique atenta.”
"De onde você tira essas coisas, minha irmã?" – perguntei.
"Ah,
é uma história bem antiga. A mãe de uma amiga estava compartilhando esse
conhecimento conosco. Ela também disse que dentro de cada um de nós, há como se
houvesse um rio, por isso nossa imagem é refletida quando olhamos nos olhos de
quem amamos. São os sentimentos bons da pessoa que refletem a nossa imagem. O
que ela tem de melhor. Quando você não se vê, que dizer que ela não tem amor por
você, ou ao semelhante. Esta presa demais ao amor próprio.”
"Não
acredito nisso. Parece bobagem... É bobagem." - afirmei, de forma
ignorante.
"Você
que pensa.”
- minha irmã se levantou do chão e foi andando até a saída do meu quarto, mas
não antes de completar seu raciocínio – “Chegará
o dia em que você vai encontrar alguém e verá sua imagem refletida. Quando isso
acontecer, você terá certeza que é amada de verdade. Ai sim, você conhecerá o
amor na sua forma mais pura."
- Eu ri, debochando. Mas é porque era muito
estranho ouvir minha irmã, desmiolada como é, falar esse tipo de coisa. –
expliquei.
- Nossa! – Tom havia aberto os olhos, mas
logo os fechou. Os raios de sol não tiveram piedade de seus olhos - Vocês
orientais tem umas histórias que nos deixa sem palavras! É muito sentimentalismo,
pelo menos pra mim, mas não deixa de ser muito bonito. – disse, esboçando um
sorriso torto.
- Falando desse jeito, você me lembra alguém.
– eu mesma - Não acredita na história? – perguntei, inclinando a cabeça um
pouco para a direita, intrigada.
- Nem um pouco. – respondeu sorrindo,
colocando seus óculos de sol.
- Hey! - rebati, não acreditando no que havia
escutado. Estranha essa reação dele. No meu caso, eu nunca me permiti e nem fui
permitida de me apaixonar por alguém da minha escolha, por isso não acreditei
na história que minha irmã contou. Não pensei que esse tipo de coisa fosse
possível. Porém, Tom é um ocidental. Ele foi criado de outra forma, em outros
costumes. Pensei que, bem, ele pudesse ter visto ou vivido esse amor em algum
momento no passado.
O quão diferente nós somos? Parando pra
pensar, no fundo nós somos muito parecidos. Isso me faz lembrar que, não sei
praticamente nada sobre ele. É muito mais fácil ele, baseando-se na minha
religião, descobrir toda a minha vida, minha rotina, do que eu, que não tenho
ao menos uma referência.
- É uma história muito bonita, mesmo! –
disse, gesticulando levemente com as mãos - Mas, nunca fui lá muito ligado a
sentimentos. - disse, no que sua expressão ficou um pouco mais sombria - Nunca
me relacionei sério com ninguém. O amor... Nunca esteve ao meu favor, eu acho.
- completou, e percebi que nem ele entendia direito o que se sucedia consigo
mesmo. - Acho que algumas pessoas não nasceram para o amor. É um sentimento
nobre demais, caro, inacessível.
O silêncio ficou mais alto do que no
principio. Senti certa dor em suas palavras. Era como se houvesse algo em seu
passado, que não o fazia se interessar muito por ele, mas também não fazia
questão de enterrá-lo de vez. Seja o que for, faz parte da vida dele, do que
ele é.
Por mais problemas que eu pudesse ter
enfrentado, por mais reprimida que eu possa ter sido talvez nada se compare ao
que ele passou. Às vezes algumas pessoas recebem tanta liberdade, que perdem o
senso de certo e errado, pois ninguém as corrige como devia. Dado em grande
quantidade, acaba fazendo mal à elas. São tantas as opções que a pessoa tem que
ela acaba não sabendo como fazer as escolhas.
Em meio a aquela barreira aparente, fiz uma
escolha e a coloquei em prática.
- Tom, olhe pra mim. - eu disse, tentando fazê-lo
voltar a si mesmo. Ele hesitou um pouco, mas depois de alguns minutos finalmente
conseguiu. - Me diga, o que você vê?
É engraçado o que aconteceu nesse momento. Vi
que ele queria rir e fazer alguma brincadeira pra descontrair a tensão, mas
quando me olhou bem nos olhos, ficou sem reação.
- Eu vejo... – hesitou por breve instante -
Você. - disse, realmente espantado com sua conclusão.
- Não importa a fantasia da história, mas sim
a verdade por detrás dela. Você é uma boa pessoa e, surpreenda-se ou não, tem
amor ai dentro. Por isso, não se massacre mais como veio fazendo até o dia de
hoje. Não deixe essa dor, essa vergonha que seus atos do passado possam ter ocasionado,
deixarem você pra baixo. Você está aqui, e mais vivo do que nunca. Tão
merecedor do amor, como qualquer outra pessoa.
E ele não é inacessível. Ele está lá, para
todos nós. O ponto é que muitos de nós nos perdemos tentando chegar ao
verdadeiro amor, e outros são tão iludidos por paixões. As pessoas sofrem não
porque amam demais, mas sim porque amam errado.
Tom se levantou do meu colo e ficou me observando
por um tempo. Fitou-me incrédulo e um pouco confuso. Era como se tivesse
levando um choque e estivesse eletrificado.
- Você fala de amor como se fosse o próprio.
Tão simples assim pra você, uma pessoa que viveu todo esse tempo isenta dessa
emoção, falar do amor dessa forma, como se fosse intima.
Nem eu sabia ao certo como havia chegado nesse
raciocínio. O que ele disse é verdade. Eu não teria condições de falar ‘tão
bem’ de algo que desconheço. Mas acho que, a história se reafirma aqui: O
coração enxerga, pensa, sente, de uma forma diferente de nós.
- Eu aprendi isso com alguém. – respondi sem
graça, esboçando um sorriso sincero. Havia deixado a resposta nas entrelinhas.
Tom segurou meu rosto carinhosamente e me
olhou fixamente nos olhos. Expressou um olhar tão alegre, de quem parecia estar
incrivelmente feliz e sorrindo, que automaticamente me induziu a retribuir o
gesto da mesma forma. Ele estava completamente perdido. Parecia não saber como
agir normalmente.
- Eu posso te dar um abraço? – perguntou
educadamente, no que eu assenti com a cabeça.
Ele me abraçou forte, e pude sentir seu
coração batendo em disparada. Senti o vento, já mais calmo, acariciar meu rosto
com ternura. As folhas balançavam, como se estivessem dançando, e o sol
insistia em continuar nos observando.
Tom foi me soltando letamente, ficando de
frente para mim.
- Quando eu disse que você tinha vindo do
céu, eu não estava brincando. – afirmou, trazendo novamente aquele sorriso - Você
veio do céu, disfarçada em vestes negras, mas não conseguiu ofuscar sua luz.
O ar me faltou por uma fração de segundos e
senti meu estomago super sensível. Engoli com dificuldade. Se eu estivesse em
pé, com certeza sentiria minhas pernas bambearem. Como as sensações eram
minhas, ele não pareceu perceber, porém certamente minha expressão lhe deu uma idéia
de como eu estava me sentindo. Apesar disso, ele prosseguiu.
- E você pensou que por um segundo eu não
iria perceber o seu disfarce? - Suas palavras, uma por uma, iam arrancando lágrimas
de mim, assim como o tempo arranca dias da minha existência. - Eu sempre estive
perdido em algum lugar, no meio dessa minha bagunça. Vivia aos tropeços e não
podia cair. Se eu fraquejasse, seria comido vivo. Sempre tentei achar uma vida
equilibrada, mas era difícil. – desabafou - E agora eu finalmente cai. Depois
de todos esses anos, eu cai de joelhos, Amira. E quer saber a verdade? Não
sinto medo, pois estou caído de joelhos, em frente a um anjo.
Antes
que eu pudesse pensar em responder, seu rosto foi se aproximando lentamente do
meu, o que afastou todas as possíveis reações que eu poderia ter naquele
momento. Com o vento soprando, Tom direcionou-se ao meu ouvido, demonstrando não
confiar no silêncio daquele instante, como se este jamais fosse capaz de guardar
seu segredo tão precioso. “Mein engel, du bist der beste Teil von mir.” – sussurrou,
o que me fez rir com ternura. Não fazia idéia do que ele havia dito, porém a
forma como ele pronunciou cada palavra fez meu coração se aquecer.
Pegou minhas mãos e as beijou, uma de cada
vez. Encantada com tal gesto, levantei meu rosto procurando o dele, porém minha
visão falhou devido as lágrimas. Foi então que ele as afastou para longe, e
aproximou nossos rostos para que eu pudesse vê-lo melhor.
Assim como dois ímas se atraem quando
próximos, nossos lábios se encontraram mais uma vez.
Eu vivia atrás de muralhas e nada sabia da
vida e do amor. Ainda sei pouco sobre ambos, porém uma coisa eu aprendi com o
amor. Ele definitivamente não é algo que aprendemos através de livros, como se tivéssemos
que estudá-lo. A única maneira de conhecê-lo é sentindo-o.
Tom
fala como se eu fosse sua salvadora, como se tivesse sido enviada para salvá-lo,
porém se tem alguém aqui para exercer o papel de salvador, será que sou mesmo
eu?
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